POEMA DE ABERTURA

  • EIS UMA VERDADE DE PRIMEIRA INSTÂNCIA: A CRIANÇA VIVE EM ESTADO DE POESIA, O POETA VIVE EM ESTADO DE INFÂNCIA. Carlos Vazconcelos

12 de fev. de 2010

DE CRONISTAS E PROFETAS



 
 


Por Carlos Vazconcelos

O povoado do Barrocão era um nadinha perdido nas cordilheiras da Serra da Ibiapaba. Raríssimas casas em quadro e uma pequena capela a ser concluída. Em tudo dependia da Vila Viçosa Real.
Foi assim que, no remoto ano de 1884, Antônio Bezerra de Menezes encontrou o povoado que daria origem à cidade de Tianguá. O respeitável intelectual cearense recebia do governo da província importante missão: percorrer a Zona Norte do Ceará com a finalidade de colher informações sobre as belezas naturais, qualidade dos solos, formações rochosas e outras peculiaridades histórico-geográficas daquela parte do território. A princípio não quis aceitar a incumbência, mas topando o desafio, transformou-o em empresa de valor superior, pois suas anotações foram enfeixadas em forma de livro sob o título Notas de Viagem-Parte Norte (1889), hoje um clássico raro da historiografia cearense.
Em sua peregrinação, registram-se passagens pelas praias do Pecém, Frecheiras, Mundaú e Jericoacoara, em seus estados ainda paradisíacos. Atinge Camocim. Daí em diante a viagem passa a ser realizada em lombo de animal. Prossegue: Granja, Massapê, Santana do Acaraú, Coreaú e Viçosa do Ceará.
Chega ao povoado do Barrocão (hoje Tianguá) e apeia à porta do sr. Manuel Francisco de Aguiar, a figura de maior relevância daqueles tempos naquelas plagas. Faltava o progresso, mas o visitante já podia usufruir da generosidade da terra, da amenidade do clima e da hospitalidade dos nativos. Durante a seca de 1877, narrada em detalhes por Rodolfo Teófilo no livro A Fome (1890), a serra-mãe recebeu os filhos alheios que buscavam refúgio em seu regaço, doando do seu próprio leite, fornecendo-lhes a água e o alimento, mostrando que a natureza é por exceção madrasta, mas acima de tudo é mãe.

Narradores de viagem geralmente são minuciosos em seus relatos, mas nem sempre acertam seus prognósticos. Pero Vaz de Caminha, escrivão da armada de Cabral, em carta a El-Rei Dom Manuel sobre o achamento do Brasil, foi categórico ao afirmar: “a terra em si é de muito bons ares”, “querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem.” Foi um visionário.
Já Henry Koster, outro português, filho de ingleses, ao visitar a Vila de Fortaleza entre 1810 e 1811, afirmou que a “cidade tinha uma certa aparência de prosperidade que talvez não fosse real”. E precipitou-se: “a dificuldade de transporte por terra, a falta de porto seguro, as terríveis e freqüentes secas não permitem esperar que ela atinja nunca a um verdadeiro grau de opulência.” Errou feio. A Fortaleza de Nossa Senhora de Assunção transformou-se na quinta capital deste país de dimensões continentais.
Parece que Antônio Bezerra era da estirpe de Caminha. Não observava, perscrutava. Sabia que olhar é algo diferente de ver. Um homem por dentro de seu tempo, diagnosticava o presente para vislumbrar o futuro. Ao pisar o solo do povoado onde hoje se localiza a cidade de Tianguá, e ao observar sua gente, afirmou sem medo de se equivocar: “Se tivesse fáceis meios de transportes, este distrito assinalaria sem dúvida a sua proeminência sobre outros pontos mais populosos, porquanto férteis são os seus terrenos e o povo é extremamente laborioso.”
Observe-se que, Antônio Bezerra, tal qual Henry Koster, levou em consideração a deficiência de transportes, apenas não a situou como embargo definitivo contra o progresso. O cearense foi otimista ao afirmar que o distrito do Barrocão assinalaria SEM DÚVIDA a sua proeminência sobre outros, ao passo que o português, incrédulo, declarou que Fortaleza NUNCA atingiria a opulência nos moldes de cidade.
A BR 222, que perpassou mais tarde o território do município de Tianguá, tornou-se realmente um grande vetor do desenvolvimento, artéria por onde saem e entram bens e pessoas. Foi fundamental para o desenvolvimento da cidade
Antônio Bezerra, se vivo fosse, poderia subir novamente aos píncaros dos montes e contemplar uma cidade em plena ascensão.
Já Koster, o estrangeiro, o máximo que poderia fazer era postar-se no alto da Sé, observar os milhares de carros, os barcos e navios ancorados no Mucuripe, os aviões inquietos pelo céu alencarino, arriscar um olhar para a câmera e sorrir amarelo.

O projeto BAZAR DAS LETRAS (SESC) recebe em 23 de fevereiro o escritor NATALÍCIO BARROSO.

 
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8 de fev. de 2010

QUASE-ELEGIA PARA O POETA MÁRIO GOMES

por Carlos Roberto VaZconcelos



Mário, velho marinheiro,
tua nau perdida
na tempestade
e tantos versos extraviados;
tu resistindo
entre procelas
feito um camões vencendo a nado.
Mas a cidade, sem piedade,
quer te engolir:
Cuidado, Mário!
Serás poeta, santo, bandido
ou simplesmente um afogado.

Pobre fidalgo
da velha praça (teu escritório).
Quando te vejo ultrajado,
entre a bigorna e o malho,
tenho certeza que tua fúria
divide o mundo em duas raças:
os que te sabem poeta
os que te julgam espantalho

3 de fev. de 2010

AS LEITURAS, AS VIAGENS



Por Carlos Vazconcelos


Ao Albeci Filho, meu irmão,
que foi ao México primeiro.

Todos dizem que ler é viajar. Isso é fato consumado, mesmo na opinião de quem nada lê. Ler Josué Montello, por exemplo, é transportar-se para o Maranhão. Jorge Amado nos leva à Bahia. Com Machado, retrocedemos ao velho Rio de Janeiro imperial (e às profundezas da alma humana). João Guimarães, Graciliano e Rachel nos conduzem a uma pátria chamada Sertão.
E assim segue o leitor, nas mais variadas e pitorescas aventuras, turismo espiritual. Desse modo, quem tem boa biblioteca possui de saldo uma agência turística virtual, sem os protocolos e a burocracia das convencionais.

Pois estive viajando, esses dias. Li Érico Veríssimo e viajei ao México...
– Ao México, tchê?
Sim, senhor! E de trem. Mas tudo bem, compreendo a estranheza. Quem lê Veríssimo viaja não é para os pampas? E escuta aquela música ao longe (talvez um solo de clarineta), vinda do tempo e do vento, que varre os lírios do campo pelos caminhos cruzados?
Floreios à parte, explicarei melhor. Estou me deleitando com a leitura do livro intitulado México, do escritor gaúcho. É daqueles livros injustamente esquecidos. Como se dizia antigamente, o lado B do long play. São notas de viagem, testemunhos de vida, capítulos de humanidade de um escritor que, ao sentir-se sufocado pela vida diplomática, em Washington, consumido pelo desejo de umas férias, chega em casa e sugere à mulher:
– Vamos ao México?
Esse bem poderia ser o título do livro, pois realmente o convite se estende ao leitor. Qualquer um o aceitará prontamente depois de ler o Prólogo, onde o autor trava um delicioso colóquio com o mestre William Shakespeare em torno das razões que o aliciam a arredar pé da metrópole americana. Lá, tudo funciona direitinho, um modelo de organização, um primor de urbanismo. E sentindo-se um gato preto em campo de neve, desabafa ainda: Sinto saudade da desordem latino-americana, das imagens, sons e cheiros de nosso mundinho em que o relógio é apenas um elemento decorativo e o tempo, assunto de poesia.
Sempre em que se tratar de um grande autor, devemos dispensar um pouco mais de atenção a alguns livros considerados menores. Um grande escritor é multifacetado e dificilmente sua pena admite um rótulo impostor.
Para uma grande pena, não existe literatura amena. Exemplo: na consagrada obra machadiana, não esqueçamos jamais de ler O Alienista.
Com tantas investidas assediantes em torno de Gabriela ou Tieta, alguém se lembrará de ler Terras do Sem-fim, de Jorge Amado, talvez o seu melhor romance?
Da vasta bibliografia de Érico Veríssimo, num cantinho escuso de prateleira, achamos o México, a paisagem do México, o sentimento do México.
Viaje! Não perca tempo! Vá à biblioteca ou livraria mais próxima, solicite seu livro. E quando puder (não desaconselho) solicite também seu passaporte. Você viajará com conhecimento de causa.
Aproveite as palavras veríssimas do mestre Érico: A vida não merece bocejos.
E hasta la vista!