POEMA DE ABERTURA

  • EIS UMA VERDADE DE PRIMEIRA INSTÂNCIA: A CRIANÇA VIVE EM ESTADO DE POESIA, O POETA VIVE EM ESTADO DE INFÂNCIA. Carlos Vazconcelos

5 de out. de 2010

AÍLA SAMPAIO NO BAZAR DAS LETRAS



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O dia 28 de setembro foi muito festivo, no SESC Fortaleza. Festa da literatura. O projeto Bazar das Letras recebeu a escritora e professora AÍLA SAMPAIO. Como mediador, tive o privilégio de estar entre duas belas mulheres, a própria Aíla e Lygia Fagundes Telles, uma vez que o livro relançado àquele dia foi Os Fantásticos Mistérios de Lygia (ensaios).
Aíla se sobressaiu em cena, esbanjando a inteligência e o carisma que lhe são tão próprios. Deu um passeio sobre o gênero fantástico, revisitando Machado de Assis, Jorge Luís Borges, Adolfo Bioy Casares, Julio Cortazar, José J. Veiga, Murilo Rubião e, claro, a autora de Mistérios, Lygia Fagundes Telles.



Também falamos sobre a poesia de Aíla, explorando os livros Amálgama e Desesperadamente Nua, além de textos esparsos, publicados nos blogues. Os escritores Airton Soares e Eudismar Mendes fizeram leitura dramática de alguns poemas da Aíla.
Percebeu-se claramente a satisfação da plateia, e mais uma vez o Bazar das Letras cumpriu sua missão, valorizar o escritor cearense e a literatura brasileira.



PS.: Em outubro O Bazar das Letras receberá o escritor Theófilo Silva, cearense radicado em Brasília, que está vindo especialmente para participar do Bazar das Letras. Theófilo é fundador da Sociedade Shakespeare de Brasília. O bardólatra (como ele mesmo se denomina) relançará seu livro A Paixão Segundo Shakespeare.


14 de set. de 2010

TUGÚRIO



Por Carlos Vazconcelos

Com as batidas na porta foi acordando lentamente do seu torpor. Havia tido sonhos confusos e intermináveis. Ora estava sozinho no mundo, condenado a estranha eternidade, ora fugia de uma legião de seres bizarros.

Uma voz engavetada ressoou seu nome deixando a sobra de um eco longínquo. Antes de abrir os olhos sentia náusea, dor de cabeça e um medo imenso. As pancadas na porta se intensificavam. Já não eram socos, mas chutes e safanões. Cada bordoada era uma porretada no crânio. A voz agora era grave e repetia seu nome ameaçadoramente. Outras vozes bolinavam seus ouvidos como uma tenebrosa música incidental. Um cheiro de bolor comunicava-lhe a recuperação dos sentidos. Só faltava abrir os olhos. Arregalou-os num ímpeto. Por que queriam pôr a porta abaixo? Chutes, socos, ameaças. Nada compreendia. Que crime cometera? Não conseguia mover o corpo. Desejava chegar à porta, destravá-la. Não podia. E percebeu que sua imobilidade exaltava ainda mais os ânimos dos inimigos. Rendido no leito, gotejando de febre e medo, só lhe era possível ver as pontas das próprias botas enlameadas, apontadas para o teto, no meio delas a moldura da porta, prestes a desabar. De repente, a tábua tombou inteira aos pés da cama e uma multidão invadiu seu campo de visão, atirando-se sobre sua carcaça. Bocas furiosas. Pescoços enrijecidos. Dois sujeitos corpulentos arrancaram-no do leito e o levaram.

Tornou a acordar. O ambiente agora era úmido e fétido. Verificou as palmas das mãos com olhos abismados. Mal podia acreditar. Teve visões difusas do seu inferno. Mas ainda não era hora de purgar a alma. Só quando voltou a si definitivamente é que foi recordando... aos poucos... E compreendeu, com assombro, que o pesadelo estava apenas começando.

Do livro Mundo dos Vivos (contos)

26 de jun. de 2010

TRINDADE


As três que conheço,

que não se conhecem,
que moram bem longe,
só uma aparece.
Ai de mim
se as três viessem
correndo assim...
Ai de mim!
Se tenho uma,
se penso outra
nem imagino onde
anda a terceira:
se sobe o morro
se desce ladeira
se foi à praia
ou se vai à feira.
Cadê a primeira
que ao ter a segunda
beijei a terceira
e nem sequer senti remorso?!
Mas como posso?
Se as três que conheço,
que não se conhecem,
que moram bem longe,
só uma aparece?
Ai de mim se as três viessem...

21 de mar. de 2010

TOQUE DE RECOLHER



Carlos Vazconcelos

Tudo no mundo

se guarda
Para quando?
Não sei...
Para amanhã,
talvez.
Todos se recolhem
os corpos em pane
os pensamentos impunes
os automóveis cansados.

As vidas se recolhem
Tudo vazio no vácuo
Tudo oco, fosco,
lusco
fusco
Nenhum som de saxofone
nem de telefone
Esta é uma noite comum
perdida na lassidão do tempo...
Este é o tempo,
o nosso tempo
(tempo de homens partidos?
não sei...)

Esta é uma noite de quarta-feira
Lá fora, só resta o vento,
inquieto,
não é capaz de distinguir as noites,
que toda noite é parda.
As luzes que restam acesas
em alguns apartamentos,
estão acesas porque restam...
Não se amam os casais
Obviamente porque esta é uma noite
de quarta-feira
Noite só, tão somente noite,
feita para separar os dias.
Noite sisuda
carrancuda

Resta no céu
a poeira cósmica:
Um por cento do universo
que nos é permitido ver.

Todos se recolhem
tudo no mundo se guarda
para amanhã,
talvez...

12 de fev. de 2010

DE CRONISTAS E PROFETAS



 
 


Por Carlos Vazconcelos

O povoado do Barrocão era um nadinha perdido nas cordilheiras da Serra da Ibiapaba. Raríssimas casas em quadro e uma pequena capela a ser concluída. Em tudo dependia da Vila Viçosa Real.
Foi assim que, no remoto ano de 1884, Antônio Bezerra de Menezes encontrou o povoado que daria origem à cidade de Tianguá. O respeitável intelectual cearense recebia do governo da província importante missão: percorrer a Zona Norte do Ceará com a finalidade de colher informações sobre as belezas naturais, qualidade dos solos, formações rochosas e outras peculiaridades histórico-geográficas daquela parte do território. A princípio não quis aceitar a incumbência, mas topando o desafio, transformou-o em empresa de valor superior, pois suas anotações foram enfeixadas em forma de livro sob o título Notas de Viagem-Parte Norte (1889), hoje um clássico raro da historiografia cearense.
Em sua peregrinação, registram-se passagens pelas praias do Pecém, Frecheiras, Mundaú e Jericoacoara, em seus estados ainda paradisíacos. Atinge Camocim. Daí em diante a viagem passa a ser realizada em lombo de animal. Prossegue: Granja, Massapê, Santana do Acaraú, Coreaú e Viçosa do Ceará.
Chega ao povoado do Barrocão (hoje Tianguá) e apeia à porta do sr. Manuel Francisco de Aguiar, a figura de maior relevância daqueles tempos naquelas plagas. Faltava o progresso, mas o visitante já podia usufruir da generosidade da terra, da amenidade do clima e da hospitalidade dos nativos. Durante a seca de 1877, narrada em detalhes por Rodolfo Teófilo no livro A Fome (1890), a serra-mãe recebeu os filhos alheios que buscavam refúgio em seu regaço, doando do seu próprio leite, fornecendo-lhes a água e o alimento, mostrando que a natureza é por exceção madrasta, mas acima de tudo é mãe.

Narradores de viagem geralmente são minuciosos em seus relatos, mas nem sempre acertam seus prognósticos. Pero Vaz de Caminha, escrivão da armada de Cabral, em carta a El-Rei Dom Manuel sobre o achamento do Brasil, foi categórico ao afirmar: “a terra em si é de muito bons ares”, “querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem.” Foi um visionário.
Já Henry Koster, outro português, filho de ingleses, ao visitar a Vila de Fortaleza entre 1810 e 1811, afirmou que a “cidade tinha uma certa aparência de prosperidade que talvez não fosse real”. E precipitou-se: “a dificuldade de transporte por terra, a falta de porto seguro, as terríveis e freqüentes secas não permitem esperar que ela atinja nunca a um verdadeiro grau de opulência.” Errou feio. A Fortaleza de Nossa Senhora de Assunção transformou-se na quinta capital deste país de dimensões continentais.
Parece que Antônio Bezerra era da estirpe de Caminha. Não observava, perscrutava. Sabia que olhar é algo diferente de ver. Um homem por dentro de seu tempo, diagnosticava o presente para vislumbrar o futuro. Ao pisar o solo do povoado onde hoje se localiza a cidade de Tianguá, e ao observar sua gente, afirmou sem medo de se equivocar: “Se tivesse fáceis meios de transportes, este distrito assinalaria sem dúvida a sua proeminência sobre outros pontos mais populosos, porquanto férteis são os seus terrenos e o povo é extremamente laborioso.”
Observe-se que, Antônio Bezerra, tal qual Henry Koster, levou em consideração a deficiência de transportes, apenas não a situou como embargo definitivo contra o progresso. O cearense foi otimista ao afirmar que o distrito do Barrocão assinalaria SEM DÚVIDA a sua proeminência sobre outros, ao passo que o português, incrédulo, declarou que Fortaleza NUNCA atingiria a opulência nos moldes de cidade.
A BR 222, que perpassou mais tarde o território do município de Tianguá, tornou-se realmente um grande vetor do desenvolvimento, artéria por onde saem e entram bens e pessoas. Foi fundamental para o desenvolvimento da cidade
Antônio Bezerra, se vivo fosse, poderia subir novamente aos píncaros dos montes e contemplar uma cidade em plena ascensão.
Já Koster, o estrangeiro, o máximo que poderia fazer era postar-se no alto da Sé, observar os milhares de carros, os barcos e navios ancorados no Mucuripe, os aviões inquietos pelo céu alencarino, arriscar um olhar para a câmera e sorrir amarelo.

O projeto BAZAR DAS LETRAS (SESC) recebe em 23 de fevereiro o escritor NATALÍCIO BARROSO.

 
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8 de fev. de 2010

QUASE-ELEGIA PARA O POETA MÁRIO GOMES

por Carlos Roberto VaZconcelos



Mário, velho marinheiro,
tua nau perdida
na tempestade
e tantos versos extraviados;
tu resistindo
entre procelas
feito um camões vencendo a nado.
Mas a cidade, sem piedade,
quer te engolir:
Cuidado, Mário!
Serás poeta, santo, bandido
ou simplesmente um afogado.

Pobre fidalgo
da velha praça (teu escritório).
Quando te vejo ultrajado,
entre a bigorna e o malho,
tenho certeza que tua fúria
divide o mundo em duas raças:
os que te sabem poeta
os que te julgam espantalho

3 de fev. de 2010

AS LEITURAS, AS VIAGENS



Por Carlos Vazconcelos


Ao Albeci Filho, meu irmão,
que foi ao México primeiro.

Todos dizem que ler é viajar. Isso é fato consumado, mesmo na opinião de quem nada lê. Ler Josué Montello, por exemplo, é transportar-se para o Maranhão. Jorge Amado nos leva à Bahia. Com Machado, retrocedemos ao velho Rio de Janeiro imperial (e às profundezas da alma humana). João Guimarães, Graciliano e Rachel nos conduzem a uma pátria chamada Sertão.
E assim segue o leitor, nas mais variadas e pitorescas aventuras, turismo espiritual. Desse modo, quem tem boa biblioteca possui de saldo uma agência turística virtual, sem os protocolos e a burocracia das convencionais.

Pois estive viajando, esses dias. Li Érico Veríssimo e viajei ao México...
– Ao México, tchê?
Sim, senhor! E de trem. Mas tudo bem, compreendo a estranheza. Quem lê Veríssimo viaja não é para os pampas? E escuta aquela música ao longe (talvez um solo de clarineta), vinda do tempo e do vento, que varre os lírios do campo pelos caminhos cruzados?
Floreios à parte, explicarei melhor. Estou me deleitando com a leitura do livro intitulado México, do escritor gaúcho. É daqueles livros injustamente esquecidos. Como se dizia antigamente, o lado B do long play. São notas de viagem, testemunhos de vida, capítulos de humanidade de um escritor que, ao sentir-se sufocado pela vida diplomática, em Washington, consumido pelo desejo de umas férias, chega em casa e sugere à mulher:
– Vamos ao México?
Esse bem poderia ser o título do livro, pois realmente o convite se estende ao leitor. Qualquer um o aceitará prontamente depois de ler o Prólogo, onde o autor trava um delicioso colóquio com o mestre William Shakespeare em torno das razões que o aliciam a arredar pé da metrópole americana. Lá, tudo funciona direitinho, um modelo de organização, um primor de urbanismo. E sentindo-se um gato preto em campo de neve, desabafa ainda: Sinto saudade da desordem latino-americana, das imagens, sons e cheiros de nosso mundinho em que o relógio é apenas um elemento decorativo e o tempo, assunto de poesia.
Sempre em que se tratar de um grande autor, devemos dispensar um pouco mais de atenção a alguns livros considerados menores. Um grande escritor é multifacetado e dificilmente sua pena admite um rótulo impostor.
Para uma grande pena, não existe literatura amena. Exemplo: na consagrada obra machadiana, não esqueçamos jamais de ler O Alienista.
Com tantas investidas assediantes em torno de Gabriela ou Tieta, alguém se lembrará de ler Terras do Sem-fim, de Jorge Amado, talvez o seu melhor romance?
Da vasta bibliografia de Érico Veríssimo, num cantinho escuso de prateleira, achamos o México, a paisagem do México, o sentimento do México.
Viaje! Não perca tempo! Vá à biblioteca ou livraria mais próxima, solicite seu livro. E quando puder (não desaconselho) solicite também seu passaporte. Você viajará com conhecimento de causa.
Aproveite as palavras veríssimas do mestre Érico: A vida não merece bocejos.
E hasta la vista!