Uma ode em prosa ao poeta que, ao anunciar a falta de sentido da poesia, luta pela utopia da palavra
Carlos Vazconcelos
ESPECIAL PARA O POVO (10/6/12)
Nem poeta municipal nem poeta federal, poeta de Língua Portuguesa, desses que elevam a expressão poética da flor do Lácio ad infinitum. Em um mundo globalizado, que transformou tempo em ouro, sexo em luxo e liberdade em utopia, a humanidade necessita de poetas que lutem contra a pedra no caminho, que sonhem com Pasárgada, que cantem porque o momento existe; poetas que mirem as coisas mínimas, pois quem não há de desconfiar que não existem coisas máximas, exceto o respirar tão frágil e o fechar dos olhos tão miúdo depois da cortina da noite?
Que acontece quando silêncios e vozes se entretecem? A poesia. E se o poeta é da estatura de Francisco Carvalho? A celebração. O que leva um teatro inteiro a declamar versos? O êxtase. Nos dias 21 e 22 de maio, no IV Seminário SESC Revelando a Literatura Cearense, celebramos os silêncios e vozes do poeta Francisco Carvalho. Instigamos e vimos o teatro inteiro declamando poesia, vozes de todas as idades e tons, a ala de cima, a ala de baixo, alunos, professores, escritores, leitores e simpatizantes, todos repetiram, como em oração, a “Canção do Irmão”: “Alguém tem de celebrar a paz/ pelos que pelejam/ Alguém tem de assumir a infância/ pelos que não sonham/ Alguém tem de rezar um salmo/ pelos que morreram/ Alguém tem de escrever um verso/ pelos que não amam”.
Francisco de franciscana vaidade e fortuna crítica estelar. Que alguém ainda não diga que poesia não se põe no púlpito. Repitamos com Carvalho esse paradoxo: “Fazer um poema não é dizer coisas profundas. É ver as coisas como as coisas não são”. É nessa gratuidade que reside todo o legado da poesia, desde Homero, desde Dante, desde o primeiro fiat lux. Poeta silencioso em seu estar no mundo, Carvalho atinge plena eloquência na sua poética, pois composta de vozes e de silêncios, aqueles silêncios de ouro, que valorizam as palavras. Silêncios a la Mallarmé, que dão voz aos anjos, que dão alma aos objetos.
Poética que decanta o fracasso da palavra enquanto sublima a língua: “A aranha não tece em vão/ sua secreta parábola/ em vão gastamos o ferro/ o ouro da nossa fala.” Poética que discorre sobre a inutilidade da poesia enquanto pratica sua essência: “O sentido da poesia é não ter sentido algum”. Poética que consagra o abismo enquanto constrói a ponte: “Alguns me lembram que ainda/ existe a possibilidade do amor./ Mas o amor não é uma saída/ o amor é um mergulho.” Poética que desromantiza o poema para altear a voz contra o sistema: “Quebra o teu alaúde de poeta romântico/ quebra o cristal dos teus desvarios/ e vai semear esperança nas favelas/ de pés descalços e olhos vazios”.
Poesia que esvoaça como o vento mas é sólida como a pedra, que esmiúça o cotidiano mas flerta com o metafísico, que se nutre com o erudito mas desabotoa o fardão, que decifra a esfinge mas elabora o próprio enigma. Adolfo Casais Monteiro parecia falar de Carvalho quando escreveu que “o artista-poeta é aquele que do fundo dos seus abismos e do alto dos seus céus nos comunica a expressão da sua essencialidade humana”. A poesia de Francisco Carvalho diz muito quando emudece e às vezes é impactante como as sentenças do Velho Testamento: “Perde teu olho/ mas não perde a tua liberdade”.
Nobre poeta de carvalho e nuvem, que floresce a cada livro para ofertar a todos o imenso banquete da poesia. Nos seus oitenta e cinco anos, celebraremos os séculos que se derramarão sob o porvir dos teus poemas. Nessa pastoral dos dias maduros, sob a rosa dos minutos que se alongam, repetiremos com você que “ser poeta é repartir o pão com os humilhados e ofendidos, ser poeta é fingir que o sonho é real e acreditar que a pedra pode se transformar em pássaro”.
Carlos Vazconcelos, escritor e mestrando em Literatura pela Universidade Federal do Ceará.
*Título original não incluído na publicação.