POEMA DE ABERTURA

  • EIS UMA VERDADE DE PRIMEIRA INSTÂNCIA: A CRIANÇA VIVE EM ESTADO DE POESIA, O POETA VIVE EM ESTADO DE INFÂNCIA. Carlos Vazconcelos

19 de set. de 2011

ENCONTRO COM O BELTRÃO

Programa Sem-Fronteiras, Plural pela Paz
(Rádio Universitária de Fortaleza - UFC)

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por Carlos Vazconcelos



"Tem gente que veio pra ficar (...)
A casa nossa de cada dia
tem coração."
Henrique Beltrão

A convite do Poeta, Compositor e Professor Henrique Beltrão, sábado passado (17/9/11), participei do Programa Sem-Fronteiras, Plural pela Paz, na Rádio Universitária.


Beltrão é figura ímpar, mas sua mente é plural. Sempre sorridente e muito cortês, seu abraço é amplo porque seus gestos apenas traduzem de maneira espontânea sua espiritualidade. Eu já era ouvinte do programa, cuja proposta é evidenciar os valores culturais da terra, é cultuar a música de qualidade e a poesia, é instigar a boa conversa. Falamos sobre o projeto Bazar das Letras, sobre o livro Mundo dos vivos e sobre as amizades. Recitamos versos, tiramos fotografias, autografamos e sorteamos livros. Ao final, recebi belíssimo presente, o CD Cândidos, interpretado pela Simone Guimarães, todo com músicas de Isaac Cândido. A casa nossa (faixa mais bela, juntamente com Além das fronteiras), é uma parceria do Cândido com o Beltrão e tem participação vocal de Raimundo Fagner. As duas músicas vieram para ficar, são daquelas que batem no córtex cerebral e descem de imediato para o compartimento do assovio. Foi uma tarde muito proveitosa, porque a arte foi celebrada, as almas foram tocadas e o silêncio, o tão precioso silêncio, só foi substituído pelo colóquio das vozes.

Beltrão, meu irmão, nem é preciso pedir que continue assim, porque você é assim, caráter elevado, viajante da poesia, nauta da sensibilidade. Seu coração é uma ampla casa com varanda e quintal.


25 de ago. de 2011

A EMOÇÃO DE UM PREMIADO




por Juarez Leitão

Quando o telefone tocou, Carlos Vazconcelos imaginou que fosse um novo pedido. Estava acomodado em seu birô no pequeno escritório da bomboniere, cercado de pilhas de embalagens de chocolates, pirulitos, balas de todos os gostos e de todas as cores, no meio daquele cheiro bom de tutti-frutti, aproveitando também o hiato de tempo sem fregueses para pôr em dia as leituras.


Carlos Vazconcelos, graduado em Letras, professor de Português, pensou em melhorar sua renda, aquele dinheirinho curto do magistério, instalando um pequeno comércio de bombons num ponto do quadrilátero da praça do Mercado São Sebastião, no fervilhante bairro do Otávio Bonfim.

Estamos no segundo semestre de 2007. Sua lojinha tem apurado que fica muito aquém das esperanças que o animavam quando se propôs a cultivar aquela atividade paralela, um ganho extra para completar a receita familiar.

Com sua imaginação de ficcionista e nefelibata inveterado, chegou a sonhar com prosperidade exuberante, quem sabe um supermercado ou mesmo uma rede deles, a competir com os grandes e a se espalhar pelo país inteiro, um império mercantil empregando milhares de brasileiros e patrocinando atividades culturais. Depois viu que aquela não era a sua praia. As vendas eram acanhadas e os lucros ridículos, depois do pagamento dos encargos, fretes, impostos, energia e telefone. Decididamente, não iria ficar rico e o mais certo seria desistir daquilo, repassar o ponto e multiplicar sua carga horária nas salas de aula, porque, agora sabia, ensinar fora a arte que Deus lhe dera e onde deveria ganhar o pão.

Desde menino sentia que estava destinado às letras. Lá no Tianguá, onde nascera, pegou fama de devorador de livros. Na cidade serrana, do vigário ao juiz, todos sabiam que o menino Bebeto iria ser professor e possivelmente um escritor. Quando visitava a biblioteca municipal, murmurava para o seu coração: um dia estas prateleiras vão ter os meus livros, contos e romance de minha autoria... e via, no seu sonho de menino, o dorso dos volumes com o seu nome impresso: Carlos Roberto Vazconcelos. A Serra Grande já dera ao Brasil grandes escritores. Viçosa, o Clóvis Beviláqua; São Benedito, o filósofo Farias Brito; Ubajara, o Raimundo Magalhães Júnior... O clima frio da serra ativava a criatividade.

Quando veio para Fortaleza sabia que estava dando linha para seu destino. Concluiu o curso secundário, foi aprovado no vestibular e, bacharel em Letras, passou a dar aulas. Uma coisa que sempre fez foi escrever. Sempre gostou de rascunhar as idéias que lhe passam pela mente e, revivendo velhas histórias do torrão natal, armar contos com a técnica que aprendeu na faculdade. É um narrador, um bom contador de histórias.

Agora está ali, no calor da tarde, mal acomodado na função de pequeno comerciante, quando toca o telefone. Do outro lado da linha a voz feminina se identifica. É a escritora Regina Fiúza, diretora administrativa da Academia Cearense de Letras, que quer lhe comunicar que ele, o professor Carlos Roberto Vazconcelos, que concorrera com o pseudônimo de Kalil Kaleb, ganhara o Prêmio Osmundo Pontes 2007, categoria contos (O outro vencedor foi o poeta José Telles, na categoria poesia, com a obra Silhueta).

A notícia o engasgou momentaneamente. Era o entalo da emoção. Respondeu, quando pôde, que se sentia muito feliz por ganhar aquele prêmio, pela importância que representava e por saber que seu livro Mundo dos Vivos fora avaliado e distinguido por uma plêiade de intelectuais da melhor monta. Sabendo, outrossim, que concorrera com dezenas de outros trabalhos, alguns até de autores consagrados, e, mesmo assim, havia conseguido o primeiro lugar.

Naquele momento foi arrebatado pelas lembranças de seus sonhos da infância e parecia que o frio da serra, aquele vento gelado da Ibiapaba, lhe tomava o estômago, provocando uma espécie de vertigem. Num círculo enevoado nas imagens que passavam diante dele, viu o pai, a mãe, as tias, os irmãos, as crianças colhendo mangas e pitombas nos Taquari, os vendedores de doce de jaca nas barracas da saída da cidade, o padre Tibúrcio e o bispo Dom Timóteo celebrando a Semana Santa, Das Dores, a lavadeira, e a dona Beta das broas... todos sorrindo e aplaudindo o desempenho do garoto Bebeto, o filho de seu Albercy e da Dona Nadir, que virara escritor na capital e agora estava ganhando prêmios, feito um danado da literatura.

A noite o encontrou naquele inebriante estado de felicidade, vivendo uma alegria inusitada. Já ganhara outro prêmio literário no ano anterior. Mas o Prêmio Osmundo Pontes era outra coisa, uma verdadeira consagração. Estaria agora fazendo companhia a sumidades da literatura cearense que o haviam antecedido naquela importante premiação. Gente do porte de Costa Matos, Natércia Campos, Batista de Lima, Luciano Maia, Carlos Augusto Viana, Tércia Montenegro e Pedro Salgueiro, dentre outros ilustres.

Naquela noite insone viu o filme do passado e praticou a projeção da noite da entrega do prêmio para os próximos dias, a festa esplêndida no hotel Gran Marquise, anfitrionada por dona Cibely Pontes, todos aqueles convidados, os discursos, os aplausos...

Tempos depois, declarava num depoimento comovido: “Considero o Prêmio Osmundo Pontes um divisor de águas na minha carreira literária, pelo alto conceito que desfruta entre os escritores do Ceará e do país. O Prêmio Osmundo Pontes é o Nobel cearense.”

LEITÃO, Juarez. Panateneias: a história do prêmio Osmundo Pontes. Fortaleza: Premius Editora, 2009, p. 17 a 23.

17 de ago. de 2011

UMA LUZ VERMELHA NO BAZAR


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Pedro Salgueiro especial para O POVO, Caderno Vida e Arte (17/8/11)

Há mais de três anos um programa (*) de entrevistas e lançamentos de livros (idealizado pelo grupo de leitura “Abraço Literário” e executado pelo escritor Carlos Vazconcelos) vem mapeando os escritores cearenses com uma competência extraordinária. Todas às últimas terças-feiras de cada mês na Galeria do Teatro Sesc Emiliano Queiroz (Av. Duque de Caxias, 1701) um jovem poeta, uma escritora já consagrada, um teatrólogo de valor, um estudioso da literatura, estará sendo minuciosamente entrevistado pelo competente mediador.

E são iniciativas como estas, que passam quase despercebidas nos nossos meios de comunicação, que fazem a verdadeira história cultural de um povo.

Mais de 40 escritores passaram por lá, do grande Jorge Tufic à estreante Ana Cristina Moraes, da talentosa Inez Figueredo à jornalista Mônica Silveira, do contista Júnior Ratts ao poeta Elias de França, dos crateuenses Luciano Bonfim e Silas Falcão aos professores Batista de Lima e Aíla Sampaio, só para ficar em alguns poucos nomes.

Mas no próximo dia 30 de agosto uma luz vermelha se acederá no Bazar das Letras: o contista e mestrando em Literatura na UFC, Carlos Vaz, vai entrevistar um dos melhores escritores brasileiros da atualidade, o poeta, romancista, estudioso de literatura e principalmente contista Nilto Maciel.

Maciel é o mais importante escritor de sua geração no Ceará, fabulosa geração que nos deu nomes importantes como Gilmar de Carvalho, Airton Monte, Carlos Emílio Corrêa Lima, Barros Pinho, Paulo Veras, Marly Vasconcelos e muitos e muitos outros grandes artistas.

Luz Vermelha que se Azula é um livro marcante, de uma inventividade singular; obra mesmo de mestre da narrativa curta. Onde cada conto fica rodopiando em nossas cabeças, como obra inacabada que procura em nós (leitores) parceiros e cúmplices para sua perfeita execução. Contos curtos que se agigantam em nossas mentes, instigando nossas imaginações a continuarem infinitamente as histórias que ele talha, esmera e lima com precisão de artista consciente de seu valioso ofício.

Conclamo a todos os amantes da literatura a, desde logo, marcarem em seus calendários, botarem lembrete em seus celulares, pregarem bilhetinhos na estante, reservando o dia 30 de agosto (uma terça, às 19h, no Teatro do SESC da Duque de Caxias) para irem saber um pouco sobre a brilhante magia desse que é um dos maiores escritores que o nosso Ceará já produziu.

(*) O projeto Bazar das Letras do SESC, mediado pelo escritor Carlos Roberto Vazconcelos, receberá Nilto Maciel e lançará Luz Vermelha que se Azula, ganhador do Prêmio Moreira Campos de Contos da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará. Informações: (85) 3452.9032







4 de ago. de 2011

ZEROS À DIREITA



Fábio Marques (Especial para O Caderno 3 - jornal Diário do Nordeste, 31 de julho de 2011)


Tema de uma polêmica antologia, organizada por Nelson de Oliveira, os escritores da geração 00 são tema da edição de hoje do Caderno 3

Escritores de um novo tempo, os autores que despontaram na confusa primeira década do século XXI se veem confrontados por uma série de desafios. Ora é o papel que vacila, ameaçando sair de cena para dar espaço a novos suportes de leitura, ora é a verborrágica internet, incubadora de novos literatos, que exige a reinvenção diária e, por que não dizer, a maledicência de antecessores. Tema de uma polêmica antologia, organizada por Nelson de Oliveira, os escritores da geração 00 são tema da edição de hoje do Caderno 3, que navega por uma escrita em busca de identidade e disposta a levar a literatura por mares nunca dantes explorados.

Inspirado pela coletânea "Geração Zero Zero", organizada por Nelson de Oliveira, com contos de autores brasileiros que ingressaram na literatura a partir do ano 2000, o Caderno 3 lançou-se ao desafio de responder a instigante questão: quem faz a nossa Geração 00?


Assumindo os riscos e as ciladas que assombraram Nelson de Oliveira - questionado sobre os nomes que ficaram de fora e acusado de falacioso e interessado em fazer "marketing literário" - e nos eximindo, de antemão, da intenção de chegar a uma lista definitiva da nova geração cearense, rastreamos algumas dessas mentes literárias que se destacam e começaram a publicar seus textos com o ingresso do novo milênio.

Seguindo a cartilha do bom jornalismo, procuramos alguns escritores cearenses já consagrados, que acompanham a produção literária do Estado para nos ajudar a desvelar essa geração. A primeira conversa é com Pedro Salgueiro, escritor iniciado na década de 1990, autor de livros como "O Peso Morto" (1995) e "Inimigo" (2007), e editor das revistas literárias Caos Portátil (um conhecido celeiro de novos talentos das letras cearenses) e, mais recentemente, Para Mamíferos.

Pego de surpresa e assustado com a dimensão e responsabilidade da tarefa, Pedro adverte que o início da década foi uma época de intensa produção literária no Estado, com muitos e bons autores. Como referência, ele utiliza os textos publicados nas duas revistas que edita. "Nessas revistas têm surgido muitos autores bons. Tem muito mais gente boa escrevendo por aí, mas você acaba esquecendo", diz.

Entre os novos contistas, ele cita Carmélia Aragão, premiada pela Secretaria da Cultura do Estado, por seu livro "Vou esquecer você em Paris" (2007). "É uma boa contista, que começou publicando no Caos Portátil. Ganhou um prêmio e está escrevendo outro livro", revela.

Outro bom nome é o jornalista Alan Santiago, autor da coletânea de contos "A Lua de Ur Num Prato de Terra", vencedor do edital da Secult, em 2009, editado pela coleção Rocinante, da conceituada 7 Letras. "Agora, o Alan ganhou uma bolsa da Funarte para escrever um romance", adianta Pedro Salgueiro, que acompanha os passos desta promessas literárias. Ele destaca a inventividade e a pesquisa como traços importantes na obra destes dois jovens autores. "Eles conseguem fugir do somente contar história, têm um estilo bem arrojado", afirma.

Pedro cita ainda Renato Barros de Castro, que também se sai bem escrevendo contos e publicou biografia do jornalista Lustosa da Costa e, recentemente, um livro de crônicas. Outro destaque é Raymundo Netto, que apesar de ter nascido em 1967, bem antes da maioria dos escritores citados como sendo da geração 00, teve seu primeiro livro, o romance "Um Conto no Passado: cadeiras na calçada", outro vencedor de edital estadual, em 2004. "Como a geração é baseada em quando começou a publicar (ele se encaixa)", justifica. O trabalho de Raymundo Netto se destaca pelas referências históricas que utiliza em suas ficções. "É uma novidade em termos de ficção", declara.

Bastante aclamado por Pedro, Dércio Braúna entra na lista dos poetas, destacando-se também por trabalhos acadêmicos sobre literatura. "Ele publicou um livro sobre Mia Couto e a cultura moçambicana. É um estudioso sobre cultura africana em língua portuguesa", descreve. E, ainda entre os poetas, ele cita diversos, como Webson Moura, Ayla Andrade, Mardônio França, proprietário da revista virtual e selo editorial Corsário. Também entre os poetas, Ylo Barroso, Manuel da Fonseca, editor da revista Pindaíba, e o Poeta de Meia Tigela. Este último, destacado por Salgueiro como, indubitavelmente, "um dos melhores dessa geração".

Por fim, ele cita Urik Paiva, "que não tem livros publicados, mas é um bom escritor, muito jovem", e Carlos Roberto Vazconcelos, que escreveu o livro de contos "Mundo dos Vivos".

Geração virtual

Professora do Departamento de Letras Vernáculas da Universidade Federal do Ceará, Tércia Montenegro bateu na trave da Geração 00. Ela publicou o seu primeiro livro de contos "O Vendedor de Judas", em 1998. Tércia não arrisca muitos palpites, certa de que Pedro Salgueiro já teria citado quem também considera importante. Ela complementa, no entanto, a lista com os nomes de Tárcio Pinheiro, autor de "Janela Para o Caos", e Kelson Oliveira.

Tércia reforça a importância da popularização da internet como marco diferencial dessa geração. "Eles têm essa facilidade do suporte da internet, dos blogs, das redes sociais, a descoberta do nanoconto, através do Twitter", aponta. Para ela, apesar de ser utilizada por escritores de todas as gerações, a internet é assimilada com mais naturalidade pelos mais jovens. "Esses autores já nasceram com essa convivência. Coisa que, para nós, requer adaptação, conhecimento", avalia.

Ela destaca ainda que essa relação intima com a internet interfere na própria linguagem do grupo, tornando-a mais sincrética com as características da web. "A maioria já nasce impregnada disso. Mesmo que muitos não usem com frequência (a internet), mas são afetadas pela atmosfera da época", avalia. Tércia adverte, entretanto, que uma conclusão mais contundente sobre o assunto só poderia ser tomada com um estudo acadêmico. Esta é a constatação em primeira impressão.

O terceiro a nos guiar pelas letras do início do século é o escritor Jorge Pieiro. Ele participou das duas coletâneas Geração 90, de Nelson de Oliveira, e também coedita as revistas Caos Portátil. Apesar de considerar forçado o recorte proposto por Nelson, Pieiro dá dicas.

Anna K., Joyce Nunes, Mariana Marques e Natércia Pontes são os nomes que primeiro lhe vêm a mente, como destaques no conto. As quatro lançam em breve um livro coletivo com outros autores, entre os quais, o próprio Jorge, com narrativas sobre Fortaleza.

Ainda que compartilhe com Tércia a opinião de que esses novos escritores são marcados pela internet, Jorge alerta que isso não dá propriamente uma unidade, não cria um movimento para essa geração. "É apenas um condicionamento", ressalta. E como exemplo, ele cita ainda Airton Uchoa. "Estou lendo um romance que ele vai lançar, que é completamente diferente (do que é condicionado pela internet). Ele é verborrágico diante de uma situação que é concisa", revela.

A relação de novos talentos é extensa e este espaço curto. Como não poderia ficar de fora, completando nossa relação de 21 autores (à exemplo do livro de Nelson de Oliveira), citamos Sidney Rocha. Natural de Juazeiro do Norte e residente no Recife, Sidney é o único autor cearense que participa da coletânea dos Zero Zero. Ele publicou, em 2009, o livro de contos "Matriuska", pela editora Iluminuras. E que mais autores, outros bons escritores dessa geração, venham a nos contestar e ampliar este quadro.

A geração que faz o caminho inverso

Porta de entrada de dez entre dez novos escritores, a internet não tem quebrado o encanto das novas gerações como os velhos formatos do livro e das revistas. Se já da geração de 1990, Nelson de Oliveira compilou o livro "Geração 90: Manuscritos de Computador", na década seguinte, dos 00, à depender da tecnologia, os manuscritos estariam definitivamente digitalizados e o papel seria um mero capricho. O surgimento de inúmeros espaços virtuais para a literatura (que segue se multiplicando em sites, redes sociais, blogs, microblogs) facilitou a propagação de textos literários e o surgimento de inúmeros autores, dispersos em um amálgama confuso e volátil, onde muitas vezes não se sabe quem é o que, nem o que é de quem.

Diante desse caldo ciberespacial, percorrendo caminho inverso aos de 1990 (que migraram do impresso para a internet) os jovens escritores recorrem às mídias mais tradicionais em papel como jornais e revistas literárias, além do livro, como forma de se destacar e fixar seus nomes enquanto autores. Para Jorge Pieiro, que edita a revista Caos Portátil ao lado de Pedro Salgueiro, a tendência é que esses veículos ganhem novamente força após a euforia inicial da internet. "Estamos em uma fase de transição. Todos vão pensar ´esquece o livro, é tudo virtual´, mas acho que lá na frente volta. É o eterno retorno", defende.

Pedro Salgueiro calcula que entre 60% e 70% dos textos publicados na revista são de autoria de escritores que surgiram a partir do ano 2000. Apesar dos sites estarem em alta, os periódicos ainda mantêm sua função histórica de agrupar gerações escritores, a exemplo do jornal O Pão, jornal do grupo Padaria Espiritual, que marcou a virada do século XIX para o XX, a Revista Clã, editada nos anos 40 pelo grupo Clã, O saco, nos anos 70 e, à partir de 2005, a Caos Portátil. Pedro edita ainda a revista Para Mamíferos, ao lado de Glauco Sobreira, Nerilson Moreira, Tércia Montenegro e Jesus Irajacy. Muitos jovens autores cearenses também recorrem ainda a publicações em veículos não especializados, no exemplo recente da extinta Revista Aldeota, de cunho jornalístico, além de editoras locais, no caso dos livros, como a La Barca e a recém criada Dedo de Moça.

Para Jorge, os textos publicados em revistas eletrônicas não suprem o desejo dos autores de ter seu texto impresso. A revista é, nesse sentido, uma maneira de amplificar o que antes era personalista, publicado em um blog ou site pessoal. A revista serviria como forma de reconhecimento junto ao meio literário. "Se fulano escreve na revista A, B ou C, então ele já tem um grau de importância. No livro ele diz ´Ah, agora estou imortalizado´", brinca, justificando que o mesmo sentimento não acontece com a publicação na web.

Outro ponto que ajuda a justificar o número crescente de publicações em papel é o barateamento do processo, fruto também do avanço tecnológico, e iniciativas públicas e privadas de custeio das publicações. "Os editais propiciam que todo mundo publique. Coisa que, nos anos 90, nós não tínhamos".


NO CEARÁ
por Rinaldo de Fernandes
16/07/2011
Gostei muito, no lançamento em Fortaleza de O professor de piano, na Livraria Cultura, de rever os amigos escritores cearenses – Pedro Salgueiro (que me deu um suporte maravilhoso), Nilto Maciel (idem, inclusive postando em seu blog foto do nosso jantar na terça), Dimas Carvalho (que me passou seus livros de contos recentes e me convidou para ir a Sobral, onde leciona na Universidade do Vale do Acaraú) e Carlos Vazconcelos (contente por ter passado no mestrado em literatura da UFC – vai estudar Ronaldo Correia de Brito). Faltou a querida amiga e escritora de muito talento Tércia Montenegro, que estava em Minas. Antes do bate-papo, nas dependências do belo auditório da Livraria Cultura, dei duas entrevistas para a TV Ceará, afiliada de Rede Brasil. Uma para o repórter Danilo Amaral, especificamente sobre o lançamento e para sair num programa de notícias local, e outra para a simpática Mônica Silveira, para o programa Papo Literário, que, segundo fui informado, é muito bem visto na cidade. No final da noite, recebi um convite, que muito me honrou, de Carlos Vazconcelos para participar de um novo bate-papo e relançamento do livro em outubro, no SESC-CE, onde Carlos trabalha e coordena o setor de literatura. Maravilha! Voltarei, com prazer, a Fortaleza em outubro para esse novo encontro. Mando daqui os meus agradecimentos aos amigos cearenses, sempre muito agradáveis e generosos comigo!

www.rinaldofernandes.blog.uol.com.br





21 de jul. de 2011

ATUALIDADE DE UM CLÁSSICO





por Carlos Vazconcelos


Um clássico sempre nos surpreende. Se não revela as grandes verdades que almejamos, enleva-nos com pequenos achados. Na busca de abrir caminho através da densa barreira dos Livros Que Não Li ou dos Livros Que, Se Eu Tivesse Mais Vidas Para Viver, Certamente Leria de Boa Vontade (como sugere Italo Calvino), abri esta semana as páginas de A Arte Poética de Horácio. Na realidade, uma epístola escrita aos Pisões com o intuito de prestar aconselhamentos quanto ao ato criador. Com o tempo consolidou-se, do mesmo modo que a outra Arte Poética, a de Aristóteles, como interessante manual de estética aplicada à literatura e, particularmente, ao teatro.


A Poética de Horácio é o manifesto máximo do classicismo contra qualquer tipo de vanguarda, pois para ele liberdade é exceção, não a regra. Numa época em que se busca um vanguardismo a qualquer custo, um desejo convulsivo de inovar a arte e seus mecanismos, mesmo que o conteúdo soe inválido e a poética estéril, Horácio, como um bom clássico, é atualíssimo quando adverte: “Vós, que escreveis, tornai a matéria igual às vossas forças e pesai longamente o que vossos ombros se recusam a carregar”; ou quando indaga: “Começou-se a moldar uma ânfora, por que ao girar da roda saiu um pote?”


Muitos artistas hoje não compreenderam as lições de seus mestres. Buscam a ruptura, mas não percebem que em arte toda transgressão deve ser passageira, isto é, durar enquanto transgressão. Quebrar paradigmas às vezes é essencial, mas o ato de ruptura não pode, por si só, virar estética. Quando isso acontece, os transgressores provam do próprio feitiço. Concordo com o escritor e crítico Affonso Romano de Sant’Anna, quando afirma que “a melhor homenagem que podemos fazer aos mestres contestadores de ontem, é contestá-los hoje.” Não foi à toa que Marcel Duchamp (charlatão e gozador, para uns; rei da vanguarda artística, para outros) afirmou: “Joguei o urinol na cara deles como um desafio e agora eles o admiram como um objeto de arte.” Não se deve empurrar gato por lebre. O ato de ruptura não se dilui em estética, apenas a provoca. A Poética de Horácio amolda-se perfeitamente à sexta definição de Calvino: “Um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer.”


Com base no dualismo de Platão (esteticismo/eticismo), Horácio pregava que a arte tinha duas finalidades: agradar e educar. “Não basta que os poemas sejam belos, é preciso que sejam doces”, afirma ele. Para o esteticismo a função da arte é ser arte; para o eticismo a função da arte é ser útil. Nesse ponto, dissocia-se do pensamento de Aristóteles. O autor da outra Poética valoriza a arte como imitação e aceita que o feio na natureza pode agradar na arte, como por exemplo um cadáver bem pintado. Na poética de Horácio, há um permanente paralelo entre a pintura e a literatura, e ele inclusive admite que pintores e poetas têm o poder de ousar, mas a razão deve dominar a fantasia e o sentimento. O artista que pretende variar com prodígios um tema uno, termina por pintar delfins nas selvas e javalis nas ondas. Um poema concebido sem critérios estéticos, onde apenas o engenho participe e não a arte, pode assemelhar-se ao quadro de um pintor que quisesse ligar a uma cabeça humana um pescoço de cavalo, resultando no ridículo quadro da mulher-cavalo-ave-peixe, o que nos faz deduzir que o Surrealismo seria a estética inversamente proporcional ao classicismo de Horácio. Mais ainda: Seria sua inimiga mortal. Não que condenasse o fantástico, onde se misturam coisas falsas e coisas verdadeiras, mas a falta de coerência.


Dispensados certos radicalismos e outros aspectos que nos soam hoje como anacrônicos, há muita atualidade nas propostas do autor grego. Ele aconselha que toda obra literária seja submetida aos ouvidos de um crítico severo e depois permaneça guardada até o nono ano, e justifica: “O que não tenhas editado, te será permitido destruir. As palavras soltas não podem tornar.” Critica os poetas romanos que abandonaram as pegadas dos gregos, principalmente de Homero, criador da fórmula perfeita dos hexâmetros com que escreveu a Odisseia, e dá mais esta lição atualíssima e permanente: “Nem o Lácio seria mais potente pelo valor e pelas armas gloriosas do que por sua língua, se o trabalho lento da lima não aborrecesse a todos os nossos poetas. Vós, ó sangue de Pompílio (1), repreendei o poema que muitos dias e muitas correções não desbastaram e não burilaram por dez vezes com a unha aparada.”


No que diz respeito ao teatro, sua pretensão de “pureza” é ainda maior, pois condena o gênero que descamba em outro, como a epopeia retorcida em comédia por falta de perícia dos atores ou do autor do texto. Não lhe agradam esses dois gêneros. Prefere o drama satírico, espécie de moderador entre o riso e o siso. Consagrado como poeta do amor e da paz, rejeitava o espírito guerreiro do romano, condenando por consequência cenas violentas no teatro, boas para serem contadas, jamais para serem representadas, como por exemplo Medeia matando os filhos. Em outras palavras, o classicismo nada sabe do naturalismo. É tal o radicalismo de Homero que ele considerava impraticável jovens representarem papéis de velhos ou vice-versa. Podemos então concluir que a Poética de Horácio amolda-se também ao preceito número 14, de Calvino: “É clássico aquilo que persiste como rumor mesmo onde predomina a atualidade mais incompatível.”


Por fim, comungo ainda com Calvino para enfatizar a importância de se ler propriamente as obras: “A escola e a universidade deveriam servir para fazer entender que nenhum livro que fala de outro livro diz mais sobre o livro em questão; mas fazem de tudo para que se acredite no contrário” e a Todorov: “Na escola, não aprendemos acerca do que falam as obras, mas sim do que falam os críticos. O Ensino Médio, que não se dirige aos especialistas em literatura, mas a todos, não pode ter o mesmo alvo; o que se destina a todos é a literatura, não os estudos literários; é preciso então ensinar aquela e não estes últimos.”


Afinal, Horácio é clássico por que é atual ou é atual por que é clássico? Ora, a questão é tão imperativa quanto ler esta resenha e não ler o livro do qual ela trata. Portanto, quem deseja compreender A Poética de Horácio, deve ir imediatamente à livraria ou a biblioteca, e não se contentar com apreciações como esta.


[1] Os Pisões, a quem a carta de Horácio se destina, pretendiam-se descendentes de Numa Pompílio, segundo rei de Roma.

Bibliografia


CALVINO, Italo. Se um viajante numa manhã de inverno. Tradução: Nilson Moulin. São Paulo: Planeta De Agostini, 2003.


__________. Por que ler os clássicos. Tradução Nilson Moulin. São Paulo: Cia. Das Letras, 2007.


SANT’ANNA. Affonso Romano. Desconstruir Duchamp: arte na hora da revisão. Rio de Janeiro: Vieira e Lent, 2003.


TODOROV, Tzvetan. A literatura em perigo. 2. ed. Tradução de Caio Meira. Rio de Janeiro: Difel, 2009.


TRINGALE, Dante. A arte poética de Horácio. São Paulo: Musa Editora, 1993.

20 de jul. de 2011

OS LIVROS, AS VIAGENS


Por Carlos Vazconcelos


Todos dizem que ler é viajar. Isso é fato consumado, mesmo na opinião de quem nada lê. Ler Josué Montello, por exemplo, é transportar-se para o Maranhão. Jorge Amado nos leva à Bahia. Com Machado, retrocedemos ao velho Rio de Janeiro imperial (e às profundezas da alma humana). João Guimarães, Graciliano e Rachel nos conduzem a uma pátria chamada Sertão.


E assim segue o leitor, nas mais variadas e pitorescas aventuras, turismo espiritual. Desse modo, quem tem boa biblioteca possui de saldo uma agência turística virtual, sem os protocolos e a burocracia das convencionais.

 
Pois estive viajando, esses dias. Li Érico Veríssimo e viajei ao México...


– Ao México, tchê?


Sim, senhor! E de trem. Mas tudo bem, compreendo a estranheza. Quem lê Veríssimo viaja não é para os pampas? E escuta aquela música ao longe (talvez um solo de clarineta), vinda do tempo e do vento, que varre os lírios do campo pelos caminhos cruzados?


Floreios à parte, explicarei melhor. Estou me deleitando com a leitura do livro intitulado México, do escritor gaúcho. É daqueles livros injustamente esquecidos. Como se dizia antigamente, o lado B do long play. São notas de viagem, testemunhos de vida, capítulos de humanidade de um escritor que, ao sentir-se sufocado pela faina diplomática, em Washington, consumido pelo desejo de umas férias, chega em casa e sugere à mulher:


– Vamos ao México?


Esse bem poderia ser o título do livro, pois realmente o convite se estende ao leitor. Qualquer um o aceitará prontamente depois de ler o Prólogo, onde o autor trava um delicioso colóquio com o mestre William Shakespeare em torno das razões que o aliciam a arredar pé da metrópole americana. Lá, tudo funciona direitinho, um modelo de organização, um primor de urbanismo. E sentindo-se um gato preto em campo de neve, desabafa ainda: Sinto saudade da desordem latino-americana, das imagens, sons e cheiros de nosso mundinho em que o relógio é apenas um elemento decorativo e o tempo, assunto de poesia.


Sempre em que se tratar de um grande autor, devemos dispensar um pouco mais de atenção a alguns livros considerados menores. Um grande escritor é multifacetado e dificilmente sua pena admite um rótulo impostor.


Para uma grande pena, não existe literatura amena. Exemplo: na consagrada obra machadiana, não esqueçamos jamais de ler O Alienista.


Com tantas investidas assediantes em torno de Gabriela ou Tieta, alguém se lembrará de ler Terras do Sem-fim, de Jorge Amado, talvez o seu melhor romance?


Da vasta bibliografia de Érico Veríssimo, num cantinho escuso de prateleira, achamos o México, a paisagem do México, o sentimento do México.


Viaje! Não perca tempo! Vá à biblioteca ou livraria mais próxima, solicite seu livro. E quando puder (não desaconselho) solicite também seu passaporte. Você viajará com conhecimento de causa.


Aproveite as palavras veríssimas do mestre Érico: A vida não merece bocejos.


E hasta la vista!







8 de jul. de 2011

CORROSÃO



Carlos Vazconcelos

por dentro do casarão
os ratos roem o tempo
roem o passado onírico
vitrola, salão de festa

deitado porém insone
ouço os ruídos, roídos
tenho medo de dormir

roem as rótulas da porta
roem as ripas e os ritos



ranhuras no corrimão
rasuras na certidão
rasgos no cimo do oitão



por dentro do casarão
cupins corroem as lembranças
corroem o passado intato
bengala, biblioteca



insone porém deitado
ouço o ranger do portão
tenho medo de acordar



quedam-se vigas e estrados
quedam-se torres e lendas

som de relógio enguiçado
rumor de reza rosário
rumor de riso refrão

por dentro do casarão
traças estraçalham trevas
desvirtuam tradições
alcova, criado-mudo



deitado insone porém
ouço grilos, pirilampos
tenho medo de sonhar



rompe-se a cumeeira
rompe-se a madrugada



rastro parede porão
retrato recordação
correntes e corrosão

1 de abr. de 2011

BAZAR DAS LETRAS - ENCONTRO COM A LITERATURA

Entrevistada e entrevistador

Pedro Salgueiro, Fabiana Guimarães, Carlos Vazconcelos