Conheci Mário Alex Rosa na cidade
do Rio de Janeiro, em viagem a serviço do Sesc, cujo destino era Paraty e sua famigerada
Festa Literária, a FLIP. Do grupo, com representantes de vários estados do
Brasil, identifiquei-me de imediato com o Mário, mineiro, de fatídico sobrenome
Rosa, o jeito manso de falar, quase inaudível de tanta discrição.
Mário parece carregar uma
tristeza ancestral, colhida talvez nas paredes e ruas memoriais da sua São João
Del-Rey natal. Mas não deve ser amargura, é apenas a angústia necessária de
quem olha de soslaio o espetáculo frenético do mundo. É de outra estirpe a
melancolia dos poetas. Em contrapartida a essa “tristeza”, o humor picante de
quem não vê a vida apenas pelas órbitas dos olhos. Eu, mais efusivo e falante,
entreguei-lhe Os dias roubados (Fortaleza:
Expressão Gráfica Editora, 2013), romance eu que acabara de tirar do forno. No
dia seguinte, no ônibus, já a caminho de Paraty, muito discretamente ele se
dirigiu à minha poltrona e me presenteou com o seu livro Ouro Preto (Belo horizonte: Scriptum, 2012). Soube depois que o
livro estava na lista dos semifinalistas do Prêmio Portugal Telecom, um dos
mais importantes da atualidade − onde
também figurava a querida amiga Tércia Montenegro com o seu O tempo em estado sólido (São Paulo:
Editora Grua, 2012). Mas acho que não foi ele quem me deu a notícia. Talvez
tenha sido o Betinho, seu editor, que também conheci na FLIP, e com quem
dividimos poéticos momentos de boemia regados a vinho, cerveja e umas poucas
doses de Gabriela, a famosa cachaça da região, a mais doce e sedutora que já
bebi. Betinho, sempre irrequieto, vibrava com o livro, manifestando o que
poucos editores conseguem: o entusiasmo com a publicação do seu editado.
Ouro Preto é composto por 52 poemas, que qualquer crítico
desavisado poderia denominar “minimalistas”, o que soará verdadeiro tão somente
se pensarmos na dimensão física, no tamanho, nunca na essência de cada peça
literária enfeixada no volume. Por esse ponto de vista, mínima será uma pérola
que enjoou de ser concha; mínima será a nota musical que saltou para dentro de
uma melodia; mínima será a flor que renunciou da solidão para ser buquê.
A poesia de Mário Alex Rosa
jamais será derramada. É centrípeta. Seus poemas convergem para o âmago do ser.
Zomba da ordem: “Aqui cada palavra é cadafalso. Por isso enforco versos e
métrica. Fico livre de outras forcas.” (p. 35) O poeta Mário se perde e se acha
nos casarões de Ouro Preto, se esquiva pela rua Direita, se desvia pela rua da
Escadinha, entra na capela do Padre Faria, mas não é a cidade concreta que
incansavelmente procura. O eu-lírico está perdido na cidade secular, catando
instantâneos: a saia rosa que acorda a manhã, a branca de neve que o poema
ocultou, a ponta do xale que entrou na igreja, enovelando o amor.
O poeta “enxerga a noite no dia e
o dia na noite”, “como o vidro de gato dos olhos dela”. Como guia, anda perdido
por opção e engabela o leitor que busque uma Ouro Preto de pedra. É a Ouro Preto
etérea/eterna que o poeta persegue e nos dá: “Não tenho em mim/qualquer outra
cidade,/senão a tua, que me atravessa/feito espada na bainha./Entro nela por
dentro/e aceito o medo de sabê-la por fora.” (p. 58)
No itinerário de Ouro Preto nos
desencontramos do amor para tropeçarmos com ele logo na próxima esquina, entre
o sagrado e o profano: “Já não posso me ater a esse lugar/onde a palavra amor
estancou/entre o beco e a igreja.” (p. 57)
O leitor tenta seguir o poeta
pelas calçadas da vetusta cidade, mas o poeta está pedido de amor. “Uma ponte é
o encontro de duas pontas. Eu continuo num extremo delas.” (p. 13) Aliás, o
amor é um personagem irrequieto que perambula em Ouro Preto à procura de
pretextos. E isso é tudo o que o poeta deseja. E se consola na solidão dos
versos: “Deixe o amor ausentar-se:/Fagulha, do pedaço de unha/Que feriu a
imperfeição./Recolha-se nos seus escritos./Fique assim a ver navios./O amor não
tolera quem compreende./Mata antes de morrer./Se viver, peça a sua dor de
volta.”
Ouro Preto é uma mulher
misteriosa que dorme quando o poeta acorda. “Aprendi mais uma vez na falta.”
(p. 26)
A voz baixa e contida de Mário
Alex é altissonante em versos. E só corresponde ao ouvido quando dita
plenamente em oração: “Sempre quis ler para você/o poema ‘São Francisco de
Assis’./Era para lhe dizer que a crença na arte /é uma forma de crer na mão
humana./Mas você rezava por nós /imersa em tanto silêncio, que naquele momento
pensei escutar /que Deus acordaria o mundo./Perdão por acreditar no seu amor.”
Nosso poeta não apenas canta Ouro
Preto, ele a encanta. Cantar uma cidade em versos é povoá-la de ausências,
porque o que vale mesmo é a procura. Assim como Cláudio Manuel da Costa e Tomás
Antonio Gonzaga, o leitor vai nos encalços da poesia em busca de sua Nise
inacessível, de sua Marília inatingível, de uma musa ausente (ou seria
onipresente?) que se esconde em algum canto da cidade inesquecida. Parece
dialogar com Drummond: “São palavras no chão/e memória nos autos./As casas inda
restam,/os amores, mais não.”
O livro diz muito com seus
silêncios e hiatos e cada palavra tem dois gumes: um de nuvem outro de abismo. “É
preciso rezar com raiva.” (p. 44). Ouro Preto é a própria matéria da poesia; não
se encontra ali balangandãs.
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